O XVIII Congresso Notarial e Registral do Pará, em sua edição comemorativa de 30 anos, sediou um crucial sobre “O sistema de justiça frente às vulnerabilidades ligadas aos desastres climáticos e ao mercado dos créditos de carbono”. A discussão, que reuniu especialistas de peso como Marco Antônio Ribeiro Tura, Andreia Macedo Barreto, Moema Locatelli Belluzzo e Bruno Kono, lançou luz sobre a complexa relação entre o mercado de carbono, a regularização fundiária e a proteção das comunidades vulneráveis.

Andreia Macedo Barreto, defensora pública do Estado do Pará trouxe à tona a visão da Defensoria Pública sobre o tema, enfatizando as lacunas da legislação atual e a importância do papel dos registradores. Ela criticou a forma como a lei aborda o crédito de carbono, que “além de confundir a ideia de crédito de carbono com toda e qualquer gás de efeito estufa, porque curiosamente ela fala isso logo no início, crédito de carbono, e outros gases de efeito estufa, alto lá, dióxido de carbono é um, metano é outro, e cada um tem uma fonte de emissão diversa”.
Andreia ressaltou que a legislação foca excessivamente na vegetação nativa, “e ela deixa de lado os principais responsáveis pela emissão hoje de gases de efeito estufa que são as grandes metrópoles”. Para ela, um processo de regularização fundiária urbana (REURB) deve ir além da simples titulação, incorporando medidas ambientais, sociais e econômicas. “Não é possível que nós aceitemos julgar as populações desprovidas de moradias dignas e, portanto, submetidas à precariedade física, desta vez para áreas de mananciais”, enfatizou, alertando para o risco de agravar a situação dessas comunidades.

Para ela, a participação dos Cartórios é vital. Ela celebrou a inclusão da averbação do contrato entre desenvolvedores e geradores na lei, mas lamentou a não issão de uma proposta que visava a participação do notário na certificação da “disponibilidade material e jurídica dos ativos ambientais”. Ao concluir, Andreia Barreto enfatizou que a proteção da floresta e o enfrentamento das mudanças climáticas dependem diretamente do enfrentamento do histórico fundiário. “O nosso invento foi ao invés de partir do crédito de carbono que seria um mercado muito mais complexo, nós partimos de onde a floresta, que é aquele prédio está advindo, está sendo comercializado. E com isso nós chegamos em outros atores importantes dentro desse processo”, finalizou.
Bruno Kono, presidente do Instituto de Terras do Pará, em sua participação, trouxe a perspectiva da regularização fundiária como elemento central para a segurança e a integridade do mercado de créditos de carbono. Ele explicou o conceito por trás do mercado de crédito de carbono: permitir que produtores rurais, agricultores familiares, quilombolas e comunidades indígenas que protegem a floresta sejam remunerados pelos serviços ambientais prestados. “Abriu uma possibilidade do pagamento, de receber pela proteção que você está proporcionando”, afirmou. No entanto, alertou que essa oportunidade também gerou “oportunismo”.
Para ele, duas palavras são cruciais nesse mercado: rastreabilidade e integridade do carbono. “Essa rastreabilidade ela é feita por estudos jurídicos para saber se estão cumpridos todos os requisitos legais, é feita através também da contabilidade desse carbono”, disse, exemplificando com um projeto que “abarcou todo o crédito de carbono do estado todo jurisdicional do estado, um projeto, ou seja, notadamente é um problema contábil de contabilidade desse crédito de carbono”.

Ele enfatizou que a integridade do carbono impacta diretamente seu valor de mercado. “Quanto mais íntegro for esse carbono, quanto mais for cumprir esses standards, mais é que vai ser valorizado esse crédito. Quem não cumpre, tem um crédito desvalorizado ou zerado do projeto”, explicou.
O papel da regularização fundiária é, para Kono, incontestável. “É justamente a regularização fundiária que vai rastrear todas as relações jurídicas, comerciais, sociais e econômicas do crédito de carbono. É a paz que vai se sustentar essa relação social que ela tem que ser de longo prazo porque a gente está com contratos de 30 anos”, pontuou. A definição jurídica do proprietário e a legitimidade para negociar o crédito são problemas cruciais, pois muitos se apresentavam como donos de áreas sem ter a titularidade.
Em sua fala, Marco Antônio Ribeiro Tura, ex-procurador do Ministério Público da União, notário em São Paulo, árbitro e mediador, defendeu que a Reurb não pode se limitar à titulação de propriedades, mas deve abarcar medidas ambientais, sociais e econômicas. Ele ressaltou a inaceitável situação de populações desprovidas de moradias dignas serem transferidas para áreas de mananciais, agravando sua precariedade física e dependência de transportes poluidores. “A Reurb tem que considerar a precariedade física, a vulnerabilidade social e a individualidade ambiental”, frisou.
A discussão aprofundou-se no mercado de créditos de carbono. Tura desmistificou a moralidade do capital, afirmando que “capital não tem cheiro” e que a lavagem de capitais é uma prática comum, mesmo quando se trata de “capitais verdes ou azuis”. Essa lógica, segundo ele, se reflete no modus operandi das certificadoras transnacionais, que, assim como as empresas oligopólicas, terceirizam seus processos para operar a baixo custo, comprometendo a credibilidade das certificações.

Uma das “derrotas pessoais” lamentadas por Tura foi a não inclusão de sua proposta para a participação do notário no processo de certificação de ativos ambientais. A ideia era que os notários certificassem a disponibilidade material e jurídica dos ativos que servem de base para os projetos, evitando casos de projetos elaborados com base em bens inexistentes ou que pertenciam a terceiros. Ele defendeu que o ato do notário, de caráter transnacional e com a força da Apostila de Haia, oferece a segurança jurídica que financiadores de fundos socioambientais precisam para saber que os ativos realmente existem.
Por fim, Tura reiterou a necessidade de transformar a atuação dos registradores, que não podem mais se limitar a analisar projetos de Reurb sob a presunção de legitimidade. É preciso que julguem as condições objetivas presentes na lei, relacionadas ao equilíbrio ambiental e social dos projetos, e não apenas à titulação. A proposta de um comitê de resolução de estudos para processos de Reurb, similar ao que se discute em contratos de obras públicas, também foi aventada como um caminho para maior segurança.
Fonte: Assessoria de Comunicação da ANOREG/PA